sábado, 19 de setembro de 2009

6º, 7º, 8º e 9º ANOS - Texto completo - MATO GROSSO DO SUL: um grosso caldo cultural


Marcos Antônio Bessa-Oliveira 

Ao pensarmos que “cada vez mais os meios de comunicação de massa se tornam parte integrante da experiência cotidiana das sociedades contemporâneas” (Lopes, A delicadeza, 2007, p. 17), podemos partilhar da ideia de que esses “meios de comunicação” massificados corroboram muito o que é dito hoje sobre a identidade plural que o sujeito tem. Alguns teóricos acreditam que já não existe mais uma identidade singular; defendem a ideia de que o sujeito é plural na contemporaneidade.

Analisando a formação cultural do povo sul-mato-grossense, podemos dizer que ela foi, e ainda é, construída por essas confluências de linguagens com esses “diferentes” que habitam o seu território geográfico-político. Vale lembrar, ainda, que, por aqui, muitos passaram e ficaram; outros dividem as “fronteiras imaginárias” que, como define Hissa, grosso modo, foram, antes, demarcadas por aspectos geográfico-naturais do relevo de cada região e que, hoje, são delimitadas por simbolismos de concreto e ferragem, os chamados Marcos, como acontece no caso das divisas do Mato Grosso do Sul com a República do Paraguai e com a Bolívia. Sobre fronteiras e limites entre as regiões, Hissa diz que “fronteiras e limites são desenvolvidos para estabelecer domínios e demarcar territórios” (Hissa, Mobilidade das fronteiras, 2002, p. 35).

Partindo do pressuposto de que o Estado de Mato Grosso do Sul tem os seus “limites” territoriais “divididos” geograficamente com os países Paraguai e Bolívia, podemos pensar em uma “referencialidade” nas obras de arte aqui produzidas por artistas plásticos sul-mato-grossenses pautados por esse diálogo próximo com os dois países. Afinal, como postula Hall (A identidade cultural na pós-modernidade), grosso modo, as identidades-culturais e, por extensão, as produções culturais, primeiro se constroem pela proximidade ou diálogo com outras culturas.

Ser ou não ser um artista representante da arte sul-mato-grossense? Vender ou não vender, sob o aval do Estado, a sua produção artística? Diríamos que podem pensar assim os produtores artístico-culturais do Estado de Mato Grosso do Sul. Se lá, nos grandes centros, a preocupação do artista já não se constitui nas relações com ou sem as instituições financiadoras, se a arte já não precisa mais ser engajada a questões politicamente corretas ou incorretas, se esse engajamento já não serve mais para taxar a produção atual de boa ou ruim e, muito menos, se a produção cultural, de modo geral, deve carregar a bandeira verde-amarela, aqui no Estado, contrastivamente, podemos dizer que alguns artistas ainda continuam usando Black-Tie, Verde-Amarelo e Vermelho-Branco. Ou seja, a consciência do artista sul-mato-grossense ainda é, de modo geral, a de se valer das instituições de fomento, ancoradas no Governo estatal, para expor/expor-se, visando produzir objetos artísticos que se referenciam em modelos acadêmicos consagrados, paisagens, retratos, esculturas etc, empunhando, assim, as bandeiras de referências internacionais. E levantam a bandeira Verde-Amarela proposta pelo Estado-Nação como ícone da identidade artística do Estado. (Nolasco, “Para onde devem voar os pássaros depois do último céu?”, 2008)

Os artistas de Mato Grosso do Sul, no geral, ainda precisam da ajuda de araras, tuiuiús, Pantanal e outros exotismos mais para as suas produções artístico-culturais.

Mato Grosso do Sul é um estado da federação brasileira que tem em sua história de formação características peculiares: se primeiro o Estado só se torna um estado independente após a sua separação de Mato Grosso em 1977, em segundo lugar ele hoje é constituído, e continua se constituindo, por imigrantes vindos de várias partes do mundo. Além de contar com divisas internacionais; Bolívia e a República do Paraguai, o Estado de Mato Grosso do Sul conta com cinco divisas nacionais: Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Minas Gerais e com o Paraná. Tais características tornam o Estado um lugar particular no cenário cultural brasileiro, pois aqui as culturas dos diferentes viajantes e transeuntes tornam a sociedade sul-mato-grossense um grosso caldo cultural constituído de culturas diferentes.

No lugar do pão de queijo que bem representa Minas Gerais; do churrasco e chimarrão que são a cara dos gaúchos; da cerâmica Marajoara que é amazonense; do artesanato de barro que é forte culturalmente no Nordeste brasileiro, o Estado de Mato Grosso do Sul não tem apenas um objeto ou produto artístico, cultural ou mesmo pessoal só que o represente em sua totalidade. Ou seja, aqui no Estado o pão de queijo mineiro também se torna pão de queijo sul-mato-grossense quando se encontra com a chipa que é trazida pelos paraguaios; vindo dos gaúchos o churrasco quando chega em Mato Grosso do Sul ganha a companhia da mandioca que é culturalmente indígena, o chimarrão, por causa do calor do Centro-oeste, encontra-se com um quase parente de origem paraguaia que é o tererê; se aqui no Estado não temos aldeias indígenas de etnia Marajoara, temos por outro lado a Terena e a Kadiwéu, entre outras, que fizeram dos seus artefatos de cerâmica peças que hoje representam parte dessa nossa cultura particular e misturada no mundo inteiro; além de termos outros tantos traços culturais vindos dos nossos Estados e Países vizinhos; línguas e linguagens, culinárias, hábitos e vestimentas que hoje são nossos e deles também. As culturas fronteiriças ao Estado de Mato Grosso do Sul vivem num eterno leva e traz interminável. Aqui no Estado a cultura do outro é recebido e transformada em nossa cultura também.

Nas artes plásticas que são produzidas em Mato Grosso do Sul também têm características que são vindas e adaptadas ao nosso Estado de todas essas culturas. São esculturas feitas de raiz de mandioca que hoje são conhecidas como os Bugres da Conceição; a Cerâmica Kadiwéu que podemos dizer que traz nas cores nela pintada a cor “morena” do Estado de Mato Grosso do Sul; pinturas que mostram as paisagens pantaneiras: o pôr-do-sol, o voo das aves que aqui chegam e partem aos bandos; filmes que interpretam as poesias dos poetas sul-mato-grossenses; se as cuias gaúchas são feitas lá com a cabaça, aqui elas ganham um traço da abundância bovina presente nas fazendas de Mato Grosso do Sul; os nossos japoneses não comem apenas frutos do mar e raízes, eles foram encantados pela carne, pela mandioca; o sobá sul-mato-grossense não é o mesmo trazido de Okinawa, mas é ainda conhecido como uma culinária japonesa.

O Estado de Mato Grosso do Sul é um caldo de cultura que se engrossa todos os dias com aqueles visitantes que para cá vêm e ficam, e por aqueles que por aqui apenas passam mas trazem na bagagem um pouco das suas culturas vindas juntos com eles, e por conseguinte, acabam levando um pouco da nossa cultura também.


Referências

Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 9. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

Hissa, Cássio Eduardo Viana. Mobilidade das fronteiras: inserções da geografia na crise da modernidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

Lopes, Denílson. A delicadeza: estética, experiência e paisagens. Brasília: Editora Universidade de Brasília: Finatec, 2007.

Nolasco, Edgar Cézar. “Para onde devem voar os pássaros depois do último céu?”. In.: Raído: Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFGD/ Universidade Federal da Grande Dourados n. 1 (2007)-. Dourados, MS: UFGD, 2008. p. 65-76.